sábado, novembro 27, 2010

Travestis e o Sonho Europeu

De Michelle Barbosa Agnoleti (UFPB) e José Baptista de Mello Neto (UFPB/UEPB) publicado na Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder em Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008.
“Ser travesti” é uma contínua construção subjetiva e social de gênero. Na arguta percepção de PELÚCIO (2007, p. 274), “Ser travesti não é uma aventura, algo efêmero, uma fantasia que se tira ao chegar em casa, mas uma transformação que passa por um profundo processo.” Os códigos da sociabilidade e da sexualidade das mulheres vão sendo por elas apropriados, ressignificados,  expressando-se nos seus desejos, no modo de vestir, de andar, de falar, no gestual, nas transformações a que submetem seus corpos na busca de um modelo de feminilidade (DENIZART, 1997).
Esse ideal feminino próprio passa necessariamente pela construção de seus corpos e vidas
[...] na direção de um feminino, ou de algo que elas chamam de feminino. Em sua
linguagem êmica, elas querem ser mulher ou se sentir mulher. Se sentir mulher é
uma expressão que por si só já traz algumas pistas de como este feminino é
concebido, construído e vivenciado pelas travestis. De fato, a maior parte não se
iguala às mulheres, nem tampouco o deseja fazê-lo. O feminino travesti não é o
feminino das mulheres. É um feminino que não abdica de características
masculinas, porque se constitui em um constante fluir entre estes pólos, quase
como se cada contexto ou situação propiciasse uma mistura específica destes
ingredientes do gênero. (BENEDETTI, 2005, p.84-85)
Nascer condicionado a ser homem e tornar-se mulher transgride e desessencializa a
dicotomia feminino-masculino socialmente imposta. Na medida em que as possibilidades da
diversidade sexual se ampliam, esse binarismo de gênero é descrito como artificial por BUTLER (2003, p. 24):
Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não se pode dizer que ele decorra, de um sexo desta ou daquela maneira. Levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos Supondo por um momento a estabilidade do sexo binário, não decorre daí que a construção de “homens” aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo “mulheres” interprete somente corpos femininos. Além disso, mesmo que os sexos pareçam não problematicamente binários em sua morfologia e constituição (ao que será questionado), não há razão para supor que os gêneros também devam permanecer
em número de dois.
Muitas travestis passam por experiências de abusos ainda na infância, e aprendem desde cedo a desenvolverem resistências e defesas a essas agressões. Ao assumirem uma identidade sexual e social fora dos padrões convencionais, são comumente reprimidas, e muitas delas são expulsas de casa ou optam por sair, em busca de liberdade.

Referência
BENEDETTI, Marcos Renato. Toda Feita: o Corpo e o Gênero das Travestis. Rio de Janeiro:
Garamond, 2005.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato
Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DENIZART, Hugo. Engenharia Erótica – Travestis no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1997.

PELÚCIO, Larissa Maués. Nos Nervos, na Carne, na Pele: uma etnografia sobre prostituição
travesti e o modelo preventivo de AIDS. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. São Carlos:
UFSCar, 2007. No prelo.

Um comentário:

Ulisses Reis ® disse...

Muito bom este teu post, gostei de saber sobre um assunto que se torna vivo nos dias de hoje, parabens, beijos !!